Teu passado me condena!

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“Teu passado me condena!”

          A noite chegou com a chuva. Chegaram quase de mãos dadas. Adoro a chuva, o cheiro da chuva, o som da chuva, o correr das águas da chuva.

O cheiro e o som me remetem, imediatamente, ao passado e passeio por ele percorrendo milhas e milhas em fração de segundos.

Em um momento estou sob a chuva torrencial amazônica, embaixo de um tapiri, tendo em meus braços quem eu amo e sob os meus pés o maior rio do mundo em volume d’água: são as águas do Amazonas irrigando o sonho de um rapaz jovem e encantado com pouco mais de vinte anos de amor.

O som da  água que cai me tira da selva e me leva para a casa enorme do subúrbio niteroiense onde eu e meus irmãos nos atirávamos no cimento do quintal e com o peito ralando na água, de peixinho,  chegávamos ao imenso portão, sempre sob a bronca feia de minha mãe: “entra todo mundo senão a varinha vai cantar!”. A tal varinha era, na verdade, um galho de goiabeira que, em riste, mais fazia rir do que amedrontar.

Nesta noite, a água da chuva que cai na Lagoa traz a lembrança da primeira namorada. O corpo perfeito da adolescente mineira, que de férias no Rio de Janeiro dos anos 70, sentou no meio da rua República do Perú e, na chuva, se deixou encharcar com os adolescentes cariocas embalados por “… eu sou da América do Sul. Eu sei vocês não vão saber! Não, não, não!” A juventude sempre nos faz acreditar que o outro nunca sabe a verdade que sabemos.

O dia amanhece com a cidade lavada. A água lava tudo. Até a língua dos que falam demais! Este parecia o grito de guerra do meu pai para fugir de algum fofoqueiro. A água só não lava e não leva as velhas lembranças, diria eu hoje a ele, se possível fosse.

As velhas lembranças que surgiram em uma noite de chuva passaram a madrugada me embalando e despertaram comigo no caderno de cultura do jornal, sob a escrita perfeita de Joaquim Ferreira do Santos. Ao ler  seu “Parque de diversões” fui levado para a redação precária da rádio do interior e ouvi, perfeitamente, a incumbência do editor chefe para que, na entrevista, o assassino da pantera mineira de Búzios falasse o mais perto possível do intimidador microfone shure, que assustava tanto pelo tamanho, quanto pela falta de eficiência em captar a voz de quem nele falava.

O furo de reportagem era perfeito. Somente eu sabia onde o acusado estava hospedado. Só esqueceram de me avisar, na hora em que passaram o endereço, que a casa era protegida por dois ferozes dobermans que me fizeram correr e saltar, sabe Deus como, um muro de quase três metros. Deve ter sido a água da chuva que caía naquele momento!

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